Se você me perguntar o nome de algum jogador, eu não saberei responder.
Dê pistas, quantas puder imaginar: evoque o cara que fica no gol, o que defende como ninguém, o que arma a jogada, o que deu o passe coreografado, o que ataca como um rei.
Não, não sei.
Esqueceu?
Nunca soube.
Mas você vai ao campo?
Não.
Você assiste a jogos?
Não.
Você sai para comemorar cada título?
Não.
E ainda assim, digo com a inexplicável confiança de estar do lado certo: SOU ATLETICANA. Todas as vezes que o Atlético entra em campo, quero que ele vença. E quando sei que venceu, um rastro de moléculas assanhadas atravessa meu coração. São rápidas, mas folionas. Para que serve aquela vitória? Não sei. Que título ela deixa mais perto? Não sei, mas adoro o risco luminoso no peito.
De onde vem esse gostar? Do coração de meu pai. É um caso de herança e saudade. Não é todo dia que a gente aprende sobre o amor incondicional. Ele era um senhor de muita idade, sempre o foi aos meus olhos, com seu agasalho puído, o radinho de pilha marrom e um cachecol no pescoço. Cumpria, há décadas, o ritual sagrado de atravessar a cidade duas vezes por semana para ocupar sua cadeira cativa no campo. Um apaixonado contido, palavras que parecem discordar uma da outra, mas que cabiam tão bem no meu pai. Se o jogo era do Galo, vibravam nele, discretas, as intensidades de amar, odiar, xingar e torcer. Tudo podia acontecer: menos deixar de ser atleticano. Fosse qual fosse a mágoa, perdoava ao primeiro drible. Fosse qual fosse a alegria, era imensa.
Coisa mais bonita esse afeto que não conhece a dúvida.
Depois foi Simone, minha sócia-irmã, torcedora em fúria. Queria tanto, que sofria muito. Era obrigada a desligar a televisão por não conseguir lidar com a emoção do jogo, com o desejo escorpião de ver o Galo ganhar.
Coisa mais bonita esse afeto desmedido.
E para não me deixar escapar, veio meu filho. Ele, menino ainda, me acordou na hora dos pênaltis da Libertadores (Eu dormia!) e pediu que eu usasse meus poderes secretos, que ele conhecia tão bem de me ver sarar suas pequenas dores com chuva de mil beijinhos. Não tive dúvidas, apontei o dedo esticado para a TV e fechei aquele gol. A ocasião merecia.
Coisa mais bonita esse afeto que segura pênaltis e produz o inesquecível!
Foi assim, de amor em amor, que me tornei atleticana.
Carla Madeira é uma das maiores escritoras da atualidade na literatura brasileira. Foi a segunda autora brasileira mais lida no país em 2023. Nasceu em Belo Horizonte, e lançou seu primeiro romance – Tudo é rio – em 2014, um best-seller. Publicou também as obras “A Natureza da Mordida” e “Véspera”.