O grito de comemoração do torcedor do Cruzeiro pela classificação às quartas de final da Conmebol Sul-Americana desentalou o peso de um passado recente doído. E o cruzeirense tem muito mesmo que comemorar. Mas, em campo, o time poderia – e deveria – ter tornado muito mais prazerosa a noite, que acabou sendo aflitiva. Vitória por 2 a 1, no tempo normal, e 5 a 4, nos pênaltis.
O Cruzeiro sabia que enfrentaria um rival fechado e que teria a catimba como um dos pontos fortes no Mineirão, depois de perder na Bombonera por 1 a 0. O Boca Juniors precisava só do empate para avançar, e ao torcedor celeste interessava só a vaga contra um rival histórico, independentemente da forma que chegaria até ela. Mas, o contexto mudou um pouco a situação.
Não deu nem tempo de saber qual seria o comportamento da escalação mexida do Cruzeiro, com três “volantes” e Dinenno como centroavante. Aos 10 segundos, Advíncula foi expulso, o técnico abriu mão de um jogador de qualidade no meio para recompor a defesa, e o time celeste passaria a ter muito mais espaço. Seriam mais de 90 minutos, com um jogador a mais, para buscar dois gols.
E nem foi necessário isso tudo. Em 20 minutos ,o Cruzeiro conseguiu os dois gols que necessitava, além de ter criado mais duas oportunidades. Era o cenário mais do que ideal para matar o jogo e selar a classificação. Mas não foi isso que aconteceu.
O jogo do Cruzeiro não fluiu após o segundo gol. O time abusou dos levantamentos para Juan Dinenno – o que provavelmente era uma das estratégias iniciais, mas que se tornou desnecessária com o placar construído – e também dos erros de passe desde o início da construção. Os zagueiros e os volantes não deram boa saída de bola, assim como os laterais e meias não conseguiram acabar as jogadas na frente.
Além de não impor a superioridade numérica com a bola no pé, cansando o adversário, o Cruzeiro ainda cedeu espaços em demasia para o rival. O time não conseguiu se compactar para pressionar a saída argentina e cedeu espaços entre as linhas, o que tem sido corriqueiro nos últimos jogos. Também não quis, mesmo em dificuldade, recuar até conseguir recompor o jogo coletivo.
O castigo chegou no último lance do primeiro tempo, com erro de toda a linha defensiva, inclusive de Cássio. O Boca não assustava, mas rondava a área havia algum tempo. O gol, naquele momento, não foi nenhum absurdo.
E o segundo tempo teve total influência do gol anotado por Milton Giménez. O Boca ganhou confiança e se ajustou melhor para explorar contra-ataques, enquanto o Cruzeiro se tornou um time burocrático, com poucas tabelas e excesso de cruzamentos (malfeitos, na maioria). Assustou apenas na genialidade de Matheus Pereira, que parou na trave, e duas bolas que trançaram a pequena área de Chiquito Romero.
Praticamente no último lance, o torcedor do Cruzeiro ainda prendeu o ar quando Cássio deixou a meta, e Giménez bateu com gol vazio, encontrando o pé direito de João Marcelo sobre a linha. Ali estava claro: as penalidades, pelo que foi o segundo tempo, eram lucro para o Cruzeiro.
A estrela de Cássio não brilhou como em outras disputas da marca da cal, mas os jogadores do Cruzeiro foram perfeitos na cobrança e contaram com erro de Merentiel para colocar o time nas quartas de final.
O Cruzeiro, por meios tortos, cumpriu seu objetivo e, agora, se coloca como favorito a chegar à decisão da Sul-Americana. Tem mais qualidade, investimento, camisa e torcida do que Libertad, Lanús e Independiente Medellín. Mas isso tudo é teoria, e Fernando Seabra precisa, junto dos comandados, melhorar bastante para que o favoritismo aconteça na prática.
O Cruzeiro exorcizou o fantasma argentino de sete eliminações no século e, mais do que isso, se colocou de vez na briga por um título de altíssimo patamar, três anos depois de estar brigando para não ir à Série C do Brasileiro. O Cruzeiro está vivo. Muito vivo.